
Primeiro dia remando.
A manha foi dedicada quase que inteiramente na lida dos mantimentos e doações. Muita coisa pra embalar, separar, empacotar. O montante das doações foram divididas nos barcos: dois cargueiros, chamados Batera, com remos duplo apoiado em vogas, uma grande vela e a lentidão de um gordo. O restante da bagagem foi minuciosamente empacotada e posta nas canoas.
Tudo fizemos. Desde pintar o casco, confeccionar velas, até seu uso final.
Tripulação posta em suas naus e, finalmente, partimos. Sete barcos, sete botas, sete pecados, sete dinastias. Sulcavam o vasto dorso do mar, juntos, promíscuos, ferindo com os remos a superfície salobra.
Remávamos em duplas nas canoas. Uma na proa, como leme, outro na popa, feito motor. A naioria era novata no remo. De amadores, seria demais soberba, se auto avaliar. O olhar a frente, se perde no imensurável. Diante de tamanha liquidez, sentem redução, receio de sua hostilidade mística.
O vento abençoa. Erigem-se as velas. Realmente, no mar, tudo anda tudo movimenta. Imensurável, também, o dinamismo espiritual. Torna-se complicado a descrição de uma só sensação. Não sei se penso, se respiro ou se apenas noto. Seguirei Nietzsche: “que seu Eu esteja para ação, assim como a mãe está para o filho”.
O dia se fez calmo, ensolarado, brioso. Logo mais tudo mudaria. E hoje quem escreve, repousa um olhar baixo, espira o ar cansado da lembrança mal digerida.
Rapidamente, o cenário mudou. Um forte vento soprou, elevando vagas d’agua, estendendo sobre o firmamento um denso manto de nuvens foscas que logo passaria a sombrear nossas cabeças. Por instinto, senti um clima tenso nos envolver. Ouvi vozes. Me voltei aos olhares atentos que apontavam aos gritos. A primeira imagem captada foi a da última das quatro pontas da batera, acima da linha do mar. Sobre ela ainda restava um homem – nosso líder. Inevitável, em minha paixão pelo drama, a lembrança do Naufrágio de Medusa, de Géricault. De semelhança eminente, a descrição de um coincidirá com a descrição de outro. Como na obra o céu era sombrio, o mar escamoso e gélido, os naufragados -humanos. Sendo uns valentes, frios e calculistas e outros fracos ou apressados em debandar o corpo do frio.
Enquanto assistíamos ao espetáculo, tentávamos desesperados, com nossa lamentável habilidade, chegar até o local. Os naufragados suspiravam, demonstravam nos lábios a temperatura da água. E no que podiam, iam lançado em nossas canoas os sacos que ainda boiavam, tudo na ordem da importância: primeiro um insistente computador que, ao longo da viagem, participaria ativamente; depois uma câmera; as bagagens dos marinheiros e, por fim, as doações em geral. Com freqüência alguém, sufocado pela impotência, se atirava na água para ao menos compartilhar do frio que alfinetava a pele de seus companheiros.
Os naufragados, pouco a pouco foram se achando nas canoas, exceto um, o líder. Pra ele ainda não havia espaço. Uma canoa ficou ao seu lado, sem poder leva-lo, limitada pelo peso; farta de humanidade. A corrente de junho seguia indiferente a sua rota gélida. O vento acelerava com as mãos em nossas costas. Estávamos sós. E o que eu previa desse agoge, não tardou a suceder – a cura!
A natureza nos submete constantemente à provas onde seremos desafiados por nós mesmos. Passará então, a ser uma mera participante e nós, os protagonistas. È preciso então, muita atenção, pois quando esse momento chegar deve se ter simplicidade o suficiente para vencer o medo com a clareza. A vitória é bela. Fortalece, estima. Traz confiança e nos torna heróis de nos mesmos. Leva ao próximo ponto.
A derrota é dura, amarga. Deixa buracos e, se o espírito for fraco, tornará o ultimo ponto, distante. Porém, a última, também fortalece. E sem ela não é possível a primeira. O importante então, é estar presente por inteiro, vivo. Entender que é esse O instante que eternizará os caminhos.
Mãe engrossai-nos vossos pés! Daí- nos curtição à pele sadia. Pois é somente em ti, me projetando em ti, que me conhecerei.
Em solo firme, o vento acalmou. Deu lugar a chuva, que veio com força. Amigavelmente fomos acolhidos e sem demora o líder chegou. Veio feliz, embriagado do álcool dourado que nos sacos iemrsos encontrou e apanhou, na esperança de um ínfimo calor.
Satisfeitos seguimos aos improvisados leitos, com merecido ar apoteótico entregamo-nos ao sono. Eu, fiel à nossa América Latina, permaneci fronteiriço – de um lado Argentina, de outro Colômbia.