quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Contemporaneidade Remota


Novamente - depois das habituais fotos e agradecimentos – remamos. Agora revigorados de café-com-leite e animados, pois rumáva-mos ao destino final. Pelo menos essa era a informação do nosso “comandante em chefe”.
Pegamos uma birra de vento no cair da tarde que nos obrigou a desembarcar em uma outra comunidade: Ilha Rasa. O pequeno povoado se concentra ao redor de um grande bar no qual, quando entrei, vi nossa tripulação já toda espalhada, exercendo suas habilidades sociais. Uns valsavam estranhos, tentando adequar o passo à música exprimida pelo radio velho no fundo do armário, outros alisavam o balcão e confirmavam seu ângulo perfeito jogando suas costelas e cotovelos contra (afinal a cachaça era fácil e benquista, vinha com a desculpa irrefutável do frio). Havia também, é claro, os próprios moradores que observavam numa mistura de espanto e simpatia aqueles loucos que saíram do meio do mar noturno e agora cumprimentavam falando alto e gargalhando. Nessa vila havia até um orelhão. Meio cabisbaixo e estranho, talvez desconfortável por estar fora de sua origem urbana. Tentei, em vão, ligar para casa.
Veio o sinal e lá fomos nós de volta às naus. Fincávamos os remos n’agua, observando o gotejar prateado e a fluidez cada vez mais leve da canoa. Dessa vez era o destino final.
Ali passaríamos a noite. Uma praia deserta no fundo de dois grandes braços de montanhas. Protegida pelos promontórios, a praia se acalmava e se empenhava apenas em refletir os anseios do firmamento. A noite clara revelava a brancura da areia e as delineações das altas palmeiras.
Encostamos quietos e arrastamos as canoas para longe d’água. Fui voluntário, junto com Laine, a ir na busca de reconhecimento com nosso chefe. Penetramos no mato por uma abertura que só mesmo nosso experiente companheiro caiçara reconheceria. Depois de mais alguns passos dentre as árvores densas, senti que pisava em grama, quando se confirmou a chegada. A mata se abriu, o céu apareceu forte e livre de qualquer sombra, apontando no centro do pátio a casa em que ficaríamos. Tinha dois andares, porém sua forma afunilada e um par de palmeiras que se erigiam nos flancos, amaciavam sua robustez e extensão. Voltamos em passo apertado pra anunciar a todos o que os aguardava.
Foi uma noite incrível. Uma fogueira se fez logo em frente da casa. Afim de aquecer e corar nossa escassa comida. Fogueira essa que custou os dois pés de nosso companheiro Eva. Esse, com estoicismo descomunal que demonstraria durante toda a viagem, retirou os pregos grossos atravessados nos pés, medicou com um anticéptico qualquer e enfaixou, se apressando em dar continuidade em seu labor.
Assim era o grupo. Assim aprenderíamos a ser. Se temos objetivos grandes de mudar e, consequentemente de lutar contra uma época inteira, temos de ser compatível com tamanha tarefa. Pra isso não basta ser apenas quem somos, observar e sonhar. Temos que nos superar, a cada dia, a cada instante. Receber desafios de cabeça alta e criar novos quando não houver. Deixando de lado os gritos estomacais, as ardências da goela seca.
Posso rememorar aqui, saudando nosso companheiro Eva e correndo o risco de ser mais uma vez intitulado como rebelde e extremista, uma frase de um homem, que como poucos, foi ao fundo na convicção de seus sonhos e certezas, e que se adapta a esse sentimento que vivi ali:
“... numa revolução, ou se triunfa ou se morre (se é verdadeira)”

A lua semi-cheia, nos admirava de sua poltrona celestial. E assim - dormimos.

Um comentário:

  1. concordo contigo Pedro, os desafios precisam ser encarados de cabeça erguidam, e não nos intimidar com as intempéries da vida...seguir sempre adiante!!!!

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